[Crítica] Jobs
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Provavelmente, deveria me sentir levemente imobilizado a
me envolver plenamente com este longa dirigido por Joshua Michael Sternm por não fazer parte do grupo dos
admiradores de Steve Jobs (por motivos nos quais ainda virei a me aprofundar). Mas o Cinema é uma Arte fascinante a ponto de levar o espectador a
envolver-se e identificar-se com figuras que não admira - aliás, neste caso,
deveria citar o audiovisual como um todo, uma vez que a televisão também
leva-nos à identificação até com serial killers, traficantes de drogas e
médicos arrogantes -, e a partir deste ponto de vista, Jobs torna-se
interessante.
Não creio que seja necessário aprofundar-se de forma mais
detalhada na descrição do longa, que procura abordar toda a fase da juventude
de Steve (Ashton Kutcher) a partir de seus anos de faculdade, quando era um
jovem descompromissado e com requintes de rebeldia, com todas as suas
influências setentistas, passando então pelo processo do surgimento da Apple, ainda como uma firma de garagem e avançando até sua fase como o CEO de uma das
maiores empresas de tecnologia do mundo, estudando seu amadurecimento e conflitos
- pessoais e profissionais - durante este período. Jobs falha, como é possível
concluir apenas por ler esta pouco preguiçosa descrição, ao não focar-se tanto
na vida de seu retratado, preterindo-a em diversos momentos na intenção de
narrar de forma mais prioritária a jornada da própria empresa, o que não
significa necessariamente deixar a vida do californiano de lado para somente
retratar o cotidiano da corporação da maçã, mas sim retratar as atitudes de
Jobs no comando da empresa, o que acaba soando como um ato falho.
Surgindo com suas primeiras notícias de produção não
muito após a morte do verdadeiro Steve Jobs, era antecipado - e
precipitadamente - que o principal ato falho do projeto era a escolha de
Kutcher para viver o personagem-título, e com grande esforço, o normalmente
limitado ator consegue superar as críticas e entregar um bom trabalho.
Interpretar alguém notório e real sempre representa um grande desafio aos
atores, e o trabalho de Ashton Kutcher acaba tornando-se mais facilitado pelos
arquivos de Jobs estarem mais frescos e claros. Com isto, o ator pôde se
embasar para compor o personagem - como contra-exemplo, utilizo Daniel Day-Lewis
em Lincoln, que não teve nada no que se embasar; não que isto diminua seus
méritos, pois sua composição segue competente, especialmente como será notado a
partir de sua postura confiante durante a fase de sua juventude, até com um
modo repreendido de andar quando seu personagem já viveu um maior número de
conflitos, o que consegue atribuir seu peso dramático. O tão prometido trabalho
de maquiagem não compromete, mas em nenhum momento nos faz esquecer
completamente de que é o eterno Kelso quem está por trás da pele do homem da
maçã.
A biografia, enquanto obra literária, não é oficial e,
portanto, sua adaptação segue o mesmo caminho: o que não gera questionamentos
em relação à veracidade dos fatos como obra cinematográfica, já que não faz
parte dos méritos desta a retratação literal. Neste caso, este contexto
extra-oficial tornou-se um ponto que torna o roteiro do estreante Matt Whiteley
mais interessante, uma vez que este foge de paradigmas que costumam marcar
cinebiografias, como no mais notado aqui, a questão da abordagem do próprio
retratado, que costuma ser bastante certinha e heroica na maioria dos lançamentos
do gênero. Em seu primeiro trabalho, Whiteley consegue demonstrar que Steve
Jobs estava longe da perfeição ética, sendo, como empresário, um homem que
depreciava seus inferiores, e como homem um verdadeiro empresário, que esquecia
de seus amigos assim que eles deixavam de ser úteis para a sua criação.
Há
alguns momentos, no caso de cinebiografias, em que torna-se difícil definir se
determinadas afirmações da figura retratada, que contradizem outras passadas da
mesma, são furos de roteiro ou simples mudanças em seu comportamento, como
quando Jobs afirma, em certo momento, que um produto da Apple não serve apenas
para o uso em si, mas "por uma questão de status". Porém, para algumas
sequências depois, vem a afirmar que sua empresa diferencia-se das concorrentes
por não levar em conta justamente este mesmo status, mas sim "as
pessoas", ou mesmo no caso de, em sua juventude como estudante, este
afirmar que deseja "sair do sistema" para, quando já no comando da
empresa, se entregar completamente ao pior escalão deste, o sistema
capitalista. Mas gosto de pensar que, em alguns casos, foi uma questão da
própria evolução do personagem. Infelizmente, não há como relevar todos.
A direção do pouco experiente Joshua Michael Stern também
prova-se interessante, evocando a abordagem simbólica do personagem-título
quando, numa sequência, posiciona um quadro de Albert Einstein paralelamente ao
posicionamento de um diálogo entre Steve e John Sculley (Matthew Modine), e
conduzindo o filme com uma boa atmosfera dramática dentro de sua proposta aliando-se à fotografia de Russell Carpenter e à direção de Bruce Robert Hill
que, acostumados com produções bem maiores, adaptaram-se bem a esta produção
pequena sabendo, com recursos diminutos, ambientar muito bem o visual do longa
aos anos 70, especialmente.
Sem em momento algum entregar-se a um drama pesado ou
denso, sempre mantendo uma atmosfera agradável, Jobs acaba envolvendo-se em
algumas situações levemente caricatas. Ainda assim, um de seus elementos mais
interessantes é sua honestidade, já que, afora o elemento de novidade na
abordagem de sua figura retratada, Jobs constitui-se num drama redondo, se
assim posso definir, que apropria-se com competência de diversos clichês -
tanto em alguns conflitos, quanto na maniqueísta trilha sonora - e tem seus
objetivos claramente definidos. Justamente por isto, chego ao ponto de meu
posicionamento de não-admiração a Jobs ou sua empresa, uma vez que não consigo
enxergar como "revolucionário" alguém ,cujas criações mantém-se num
campo semântico, não pode ser alcançado por grande parte da população ou cruze
fronteiras políticas, artísticas, históricas ou filosóficas, e mesmo no campo
da informática, de acordo com a retratação do filme aqui abordado. Jobs tinha
muito mais influência como um marketeiro para a Apple do que na criação em si
(vamos estabelecer desta forma: Jobs era a sede da Apple na Califórnia,
enquanto Steve Wozniak (Josh Gad), representa as sedes de fabricação - algumas
com escravos -, da empresa em regiões asiáticas).
Mas, por fim, a questão é que
minha ideologia política não permite reconhecer como uma liderança a ser
seguida alguém cujos grandes alcances foram para a evolução do capitalismo -
ainda assim, não deixo de reconhecer sua importância como símbolo e chave de
liderança para a tecnologia que facilita a vida de algumas pessoas, e me incluo
neste grupo -, e foi graças a todos estes pontos que Jobs conseguiu ganhar
ainda mais méritos em minha avaliação, pois mesmo tendo vários pontos para
dificultar minha identificação com o Steve Jobs apresentado nesta abordagem,
imergi na obra e fui levado a torcer por suas conquistas e envolver-me com os
conflitos por ele vividos durante a jornada narrada pelo longa, o que já
representa o cumprimento de seus claros objetivos iniciais.
Deixo a observação de que funcionará ainda melhor para os
mais interessados em conhecer por dentro a jornada da Apple e a ascensão de
Steve Jobs dentro da informática e da própria empresa, o que de forma alguma
inibe os outros públicos de aproveitarem a obra em sua totalidade.