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[Entrevistando...] Fábio Barreto

Na estreia da nova coluna do LoGGado , Edu Sacer entrevista  Fábio Madrigal Barreto . Barreto, como é carinhosamente chamado, é paul...


Na estreia da nova coluna do LoGGado, Edu Sacer entrevista Fábio Madrigal Barreto. Barreto, como é carinhosamente chamado, é paulista, tem 35 anos, é jornalista, trabalhou nos jornais Estadão e Jornal da Tarde em São Paulo, foi assessor de comunicação do Grupo Playarte, editor-chefe da revista Sci-Fi News, criador do site SOS Hollywood e desde 2008 trabalha como correspondente em Los Angeles, além de atuar como roteirista e diretor de curtas-metragens.

Em 2013 lançou seu primeiro livro, Filhos do Fim do Mundo, pelo selo Fantasy/Casa da Palavra, e hoje fala um pouco sobre o crescimento da literatura fantástica no Brasil e sobre o seu livro.

Confira a entrevista na íntegra:


Edu Sacer: Quais são suas principais influências literárias? Quais são seus livros favoritos?

Fábio Barreto: Leio muita coisa no gênero fantástico. Ficção Científica é o gênero principal, mas curto muito realismo fantástico, metáforas sociais e outras facetas curiosas da literatura que ousa ir além do factual, além do mundano. Quando ousamos apostar no sensorial, coisas lindas podem acontecer e é isso que esses estilos sempre me trazem. Novos modos de ver as coisas, não análises por si próprias. Se você precisa de nomes, bem, Neil Gaiman é o mestre moderno. Issac Asimov foi o primeiro professor e Hemingway parece um amigo distante. Todo mundo influencia, até as matérias de jornais e revistas, então tudo que se lê entra nesse conceito. Em termos de livros favoritos, Deuses Americanos é o primeiro da minha lista. A Estrada, de Cormac McCarthy, ensinou muito e A Fundação, de Asimov, caminha comigo desde meu primeiro mês como jornalista.


ES: A Carolina Munhóz vem resgatar um lugar feminino no gênero da fantasia. Romantizar criaturas mágicas (algo na moda desde Crepúsculo) já se bateu no cliché e felizmente ela escolheu as fadas e deu um tom mais sombrio a essas criaturas. Em sua opinião, subverter gêneros e origens mais dogmáticas na fantasia ainda é algo perigoso, mesmo depois de tantas mudanças ao longo dos anos?

FB: Fazer esse tipo de coisa requer muita coragem, pois os temas clássicos estão definidos e muitos conceitos são difíceis de se alterar. Mas a revisita aos contos de fadas, por exemplo, é algo bastante comum e feito com competência por muitos autores ao longo dos anos. Se bem feito, funciona pela simples existência de parábolas e mensagens fundamentais na sociedade ocidental. Mesmo quem nunca leu algo do tipo brinca com o “príncipe encantado” ou a “bruxa má”. Por outro lado, inovação é necessária. Vai chegar aos poucos, mas estamos vendo a criação de uma mitologia mais moderna. Gosto de pensar em Maurice Sendak como um dos maiores nomes, especialmente por ter criado uma mitologia urbana e igualmente fantástica em Onde Vivem os Monstros. Hoje em dia, pelo menos aqui nos Estados Unidos, as crianças consomem uma mescla de clássicos americanos, ingleses e até indianos para formar caráter. Isso é lindo e extremamente benéfico. Quanto mais pluralidade, melhor. Os autores só não podem esquecer que a eterna reciclagem não funciona. Uma hora é preciso se livrar das amarras e navegar sozinho.


ES: Com As Crônicas de Gelo e Fogo sendo um sucesso nacional e sabendo que os personagens de George R.R. Martin estão bem distantes dos protagonistas cheios de qualidade e altruísmo da fantasia clássica, você acha mais difícil criar um anti-herói ou um herói?

FB: Martin influenciou, mas não transformou. O estilo dele é esse e ele optou por um mundo cinza, com pouco preto e branco. Criar heróis e anti-heróis continua do mesmo jeito que sempre foi, pois eles são frutos da história, não de alguma obrigatoriedade estilística. Continuaremos a ver histórias dicotômicas, com grandes vilões assumidos e heróis decididos a dar a vida por aquilo que acreditam. Não há certo ou errado, é importante salientar. Há demandas e objetivos narrativos. Cada livro tem sua dinâmica. Talvez, o Martin tenha mostrado que é possível sustentar milhares de páginas cheias de gente suspeita, mas não alterou os heróis. Eles continuam bem, obrigado.


ES: Com o crescimento dessa literatura fantástica produzida no Brasil, você acha que é mais complicado criar um universo aos moldes do Asimov ou do Tolkien?

FB: Não. É tudo questão de criatividade e demanda de público. O Affonso (Solano) fez isso com O Espadachim de Carvão, por exemplo. Na fantasia, isso é mais prático no Brasil, pois existe uma grande aceitação. Já a Ficção Científica ainda precisa criar mais público, mas está quase lá! Criar uma saga espacial tem que ser algo feito com maestria, pois o preconceito vai vir com tudo e já tem gente que torce o nariz por achar que space opera só tem navezinhas, ETs e planetas estranhos (ok, tem tudo isso! Hehe) de forma pejorativa. Quando estiverem acostumados com o estilo e envolvidos, isso vai acontecer naturalmente. Mas aí devolvo a pergunta: qual a real necessidade de universos? Escrever livros fechados não funciona mais? A balança parece estar desnivelada nesse sentido.


ES: Com a sua experiência no ramo, como isso poderia ser feito aqui no Brasil? E se você prefere livros escritos dessa maneira?

FB: Nesse aspecto a questão é muito mais da influência e da necessidade comercial. Um não diminui o outro. Olhando para o mercado e ver o sucesso do Martin, de Crepúsculo e seus semelhantes adolescentes, mostra que o sentimento de continuidade é apreciado pelos leitores. O pessoal sempre fala que se sente triste quando o livro acaba. Desse jeito, ele não acaba e todo mundo fica feliz. Mas, por outro lado, basta olhar Neil Gaiman. Exceto por Sandman, o resto da carreira dele é composta por livros individuais que são tão influentes quanto bem-sucedidos. Logo, o mercado internacional nos mostra os dois caminhos. Muitos autores brasileiros optaram pelas sagas e o público tem respondido bem por conta de algo fundamental: continuidade de público. Você carrega o leitor e ele, por sua vez, traz mais leitores que entram naquele universo em momentos diferentes. Com um livro fechado, o ciclo de interesse é bem menor, logo, eles precisam ser mais amplos e impactantes. Em ambos os casos, o leitor precisa recomendar. A internet pode parecer a maior maravilha da comunicação moderna, mas alguém presentear uma cópia, emprestar ou mesmo fazer outra pessoa comprar não tem preço. Perdi a conta de quantas pessoas eu já incentivei a comprar Deuses Americanos, por exemplo. E li o livro há 10 anos! Sobre a segunda pergunta: eu leio mais livros fechados, mas não por preferência. Meus autores preferidos tendem a trabalhar individualmente, exceto o Asimov, de quem li toda A Fundação e a série infanto-juvenil Lucky Starr. Isso também me dá espaço para ler outros assuntos, conhecer novos escritores, estilos e escolas.


ES: Como surgiu a ideia de escrever Filhos do Fim do Mundo? Como foi o processo de escrita do livro?

FB: Deu a louca e resolvi escrever. Sempre deixei de lado por não ter a história certa, algo relevante a dizer. Bem, vasculhei meus sentimentos e enfrentei muitos medos. Eles afloraram e, quase, todos foram parar na história, começando pelo sentimento de perda em relação à minha filha. Foi bom passar por esse processo, especialmente para ter a certeza de que a história viria de mim, não de alguma influência ou ideia tida com algum amigo. Precisava percorrer esse caminho sozinho. Oops, olha o Repórter falando. Tendo a premissa básica – “crianças morrendo e o caos provocado por isso” – estruturei a história, escrevi algumas versões do esqueleto e comecei a escrever. Gastei bastante tempo no primeiro ato e, quando ele estava pronto, engatilhei o resto da história. Foi um processo bem orgânico. E, por vezes, me arrependi de não ter dado nomes ou localizado a trama (risos), é difícil escrever 300 páginas sem dar dicas de onde tudo acontece. Aprendi todos os sinônimos de repórter, padre e militar! =D


ES: Filhos do Fim do Mundo é assombroso. É impossível não se lembrar de Filhos da Esperança do Alfonso Cuarón, só que você optou por uma visão mais crua. Em sua opinião qual o limite entre a fantasia e realidade que deve ser posto em pauta na hora de escrever uma ficção que se passe no nosso mundo?

FB: Engraçado como um fator em comum criou essa “ligação direta” com o Cuarón (que adoro e admiro, aliás! Ele dirigiu Grandes Esperanças, que foi meu filme semi-autobiográfico por um tempão). Filhos teria muito mais a ver com A Estrada, do Cormac McCarthy, mas ele é menos famoso, então ninguém falou. Vivemos na Era das Referências, então faz parte do jogo. Eu mesmo faço isso quando analiso filmes profissionalmente. E sempre penso na importância do referencial. Ele é ótimo, pois impulsiona a criatividade e causa recusa imediata do consumidor que conhece o suficiente. Mas daí vem o maior problema: até que ponto é possível saber quase tudo de um gênero? As chances de que uma história global já tenha sido contada por alguém, em algum lugar, é gigantesca. Já brinquei muito, mas é sério: deve existir um inconsciente coletivo que os criativos conseguem acessar. Quando duas ou três ideias similares surgem em países diferentes, vindas de pessoas com backgrounds totalmente diferentes, há duas possibilidades: necessidade social de se contar aquela história ou o tal inconsciente coletivo. Estamos escrevendo há um tempão, então paralelos existem em todas as sociedades. E é por isso que escrever ficção baseada no nosso mundo, nas nossas regras, no dia a dia que todos conhecem, tem um nível de responsabilidade, e efetividade, grandes demais. É fácil se identificar e é mais fácil ainda recusar. Conheço uma pessoa que muda de canal naqueles trechos dos filmes no qual o personagem principal vai se dar mal ou ser injustiçado. Gostamos de nos ver em situações ruins? Queremos ver nosso representante na história sofrendo? Quando a trama se passa no “mundo real”, na maioria das vezes, esse herói é o leitor e a coisa se torna pessoal. Nunca pensei na existência de um limite máximo, mas sim na obrigação mínima: é preciso se definir o ponto de quebra, algo que diferencie o mundo real daquele simulacro literário. Essa é a função da ficção, permitir que novas regras sejam expostas e analisadas e que, por consequência, novas reações humanas venham à tona. E nada disso tem como objetivo fazer o leitor concordar, pelo contrário, toda boa Ficção Científica usa o cenário ficcional como pano de fundo para grandes discussões sociais e humanas. Posso arriscar uma opinião sobre esse limite: quando as coisas ficam exageradas demais, há o risco de a história ficar boba e o leitor perder o envolvimento. Exemplo: pessoas podem se revoltar vestindo roupas de cores gritantes ou chapéus de neon, mas se resolverem plantar bananeira e gritarem yupiiee ao mesmo tempo, já era.


ES: De onde surgiu a ideia de não dar nomes próprios aos personagens do livro? E por que não fazê-lo?

FB: Duas razões: 1) problema narrativo. Não queria definir um país para os acontecimentos e os nomes prejudicariam essa decisão. Nomes informam a nosso respeito, mas o que fazemos diz quem somos. 2) quando testei escrever sem os nomes, claro que me lembrei de Saramago (e de um tal Cormac McCarthy) e resolvi homenagear o mestre. Ensaio Sobre a Cegueira é magnífico, mas, de modo algum, tentei emula-lo.


ES: O que seria o fim do mundo para você?

FB: Está no livro! Perder minha filha seria insuportável. Não sei como pais que perdem os filhos lidam com isso. Não sei como minha finada e querida avó, a quem dedico o livro, lidou com a perda do meu avô e da minha tia mais nova. Fico até arrepiado só de pensar.


ES: Qual o seu conselho para escritores iniciantes que querem investir em universos fantásticos?

FB: Escrevam, escrevam e escrevam mais ainda. Crie uma história que você gostaria de ler, que te permita crescer no processo. Outros vão crescer contigo.

O que você vai fazer quando a Humanidade encontrar seu fim?
Curta-metragem inspirado no prólogo do romance inédito Filhos do Fim do Mundo, de Fábio Madrigal Barreto, apresenta uma versão para o final dos tempos. Lançado em Janeiro de 2013, pelo selo Fantasy, da Casa da Palavra, no Brasil.


É isso pessoal! Esta foi a primeira entrevista realizada pelo LoGGado... e entrevista de ouro com um grande nome como o do Barreto. Aguardem que novidades estão por vir. Atá a próxima!
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