[Crítica] O Homem de Aço
Mais figurativo do que heroico.
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Mais figurativo do
que heroico.
Faz praticamente sete anos desde a última aparição daquele que é tido como o primeiro dos grandes heróis da
história do cinema. O altruísta alienígena, criado por um bondoso casal de
fazendeiros do Kansas e destinado a grandes feitos para humanidade, não foi
muito feliz com o filme-tributo do cineasta Bryan
Singer (X-Men) em 2006, e por muito tempo
o nomeado Super-Homem parecia longe de sair do limbo preconceito das
adaptações “fracassadas” de quadrinhos. Eis que o poderoso nome de Christopher Nolan (que resgatou com
louros outro herói machucado por visões vergonhosas) associado a um realizador
também curioso (o nem tão mainstream Zack
Snyder) foi a promessa da Warner
para bater de frente com a concorrente Marvel
(dona do mais expansivo universo cinematográfico desde Star Wars). Com erros sofríveis, mas ainda assim capaz de sair como
uma promessa vindoura de um sonho nerd nas telonas, Homem de Aço não é o filme que esperávamos, porém é a deixa que o
grande herói precisava dar para alçar um voo que possa vir a ser tão extasiante
quanto o seu primeiro rasante na atmosfera terrestre.
Como todo bom reboot (mais para história de origem), Homem de Aço já começa no âmago do
significado para existência do Super-Homem. O bebê Kal-El nasce num obscuro recinto
alienígena sob a visível preocupação do seu pai Jor-El (Russell Crowe). É fácil notar que estamos em seu planeta natal e
aqui, meus caros, talvez resida um dos momentos mais hipnotizantes e dramáticos
de todo o filme. Um dos poucos acertos do roteiro de David S. Goyer está justo em arriscar dar um passo nunca antes dado
na representação do mito no cinema. Krypton é tão opressiva e metálica quanto a
civilização que abriga, e por isso mesmo digna de nota. Somos então jogados em
meio a um golpe estatal protagonizado por um pragmático General (Michael Shannon), e tudo se interliga ao parto
que abre a projeção. O que posso dizer sem estragar muito as surpresas, é que a
nave carregando a última esperança de uma civilização entregue à um maniqueísmo
que faz eco aos brilhantes contos de ficção-científica do mestre Isaac Asimov, chega a fazenda terráquea cercada
de uma emoção que infelizmente só vemos em outro pontual momento do longa.
A narrativa que se segue, irá nos
mostrar o sobrevivente agora adulto e com o nome de Clark Kent (Henry Cavill). Procurando a todo
instante se encontrar depois de uma traumática perda, essa fase um tanto
introspectiva vai tentando ganhar força com uma narrativa não linear, onde
flashes de sua infância e adolescência surgem mais como alegorias (salvo a
sequência em que o menino descobre a sua origem no diálogo mais emocional do
filme) que minam toda a estrutura básica do filme (logo no momento que teríamos
que comprar os plots de boa parte dos
personagens), graças a edição medonha de David
Brenner. Quando Clark assume de vez o seu lugar, tendo nesse meio tempo
conhecido a divertida e determinada Lois Lane (Amy Adams) , um antigo fantasma do seu passado volta para reclamar
aquilo pelo que sempre lutou, pondo em risco toda a vida do planeta que adotou
o kryptoniano o retirando assim da zona de conforto que sempre pretendeu estar.
Como deu para perceber, Homem de Aço tem três atos bem
delimitados, que perdem a linha não pela execução, mas sim por fazer escolhas
que só se justificam na primeira hora. Fica claro que boa parte das críticas
negativas deve vir da sensação de vazio causada pela indecisão constante do
roteiro. No momento em que se decide priorizar a pancadaria descontrolada, a
estrutura não linear é esquecida de vez, o que passa a impressão de que estamos
dentro de outra produção. Se o filme tivesse se assumido como blockbuster desde o início essa
estranheza não teria acontecido, porém Goyer
entrega ambição demais (crenças e aceitação em paralelos nenhum pouco
inspirados) e primor de menos (diálogos de causar aquela triste vergonha
alheia).
Por outro lado, o diretor Zack Snyder se beneficia ao entregar o
seu trabalho menos autoral (“no more
slowmotion”) numa direção que se não é memorável, pelo menos se faz correta
a tudo o que se propõe. A maior força do Homem
de Aço, no entanto, está no que deveria ser prioridade em qualquer
adaptação que almeje deixar uma marca, e falo do fantástico elenco. Com atores em
pontas estelares, temos Russel Crowe dando
corpo e escopo ao Jor-El outrora tão etéreo na voz de Marlon Brando, Kevin Costner encarnando
um Jonathan Kent que se não chega aos
moldes do fazendeiro inspirador de John
Schneider na série Smallville
(para mim, ainda a melhor versão), emociona em dois momentos-chave da história.
Vem também Diane Lane, inspirada num
dos breves e únicos alívios cômicos ao fazer as vezes da mãe terráquea do
herói; Laurence Fishburne como um Perry
White que só existe para imprimir tensão (bem capenga por sinal) no último ato
e fazer o devido link com a Lois Lane de Amy
Adams (linda como sempre, porém menos elétrica do que eu esperava); e o
Planeta Diário, além da equipe militar encabeçada por Christopher Meloni. Quando
falamos dos polos que regem a projeção, Michael
Shannon desponta como um General Zod mais perigoso e furtivo do que as
outras versões do vilão, ainda que seja o tom descontrolado que o ator sempre
imprime em seus personagens o verdadeiro ponto digno de nota. Já Henry Cavill é o nome do longa por ser
realmente o homem que carrega a esperança no peito. Não vou chegar a dizer que
o ator bate Christopher Reeve, mas Cavill no tom de voz e na cuidadosa
construção de Clark passa algo que só posso comparar mais recentemente ao
trabalho que Christian Bale fez com Bruce Wayne na trilogia do Cavaleiro das Trevas.
Se eu elogiei a direção de Snyder, seria um crime não fazer menção
ao monstro das composições, ou melhor dizendo o mestre Hans Zimmer. Se num determinado momento qualquer fã mais saudoso
pudesse achar que a trilha evocativa de John
Williams faria falta, podem se sentir despreocupados, pois cada acorde de Zimmer é mais do que providencial, eles
são praticamente parte do DNA de todo o filme. Como a grande parte do que
interessa num blockbuster de verão é
a ação, os ingressantes mais necessitados vão ter uma verdadeira overdose de batalhas,
essas por vezes tão intermináveis e hediondas (prédios inteiros colapsam num
verdadeiro apocalipse de deixar qualquer produção Bayniana envergonhada) que cansam de uma forma
injusta logo quando mais se faz preciso. É sendo Super (fica difícil falar em
heroísmo diante da destruição perpetrada pelo próprio Clark no cerne do clímax)
que o derrape de toda produção fica maior, e não era isto que todos nós
esperávamos.
Homenageando mais claramente e de
forma inteligente o material de origem, outras vezes fazendo curiosas e
bem-vindas ligações a mais recente estadia do herói na TV (nunca achei que
veria muito de Smallville no filme),
o Homem de Aço não acalenta nossos
anseios pelo filme de super-herói definitivo, mas tampouco esquece de
pavimentar a promissora estrada que a continuação já anunciada precisa galgar.
Se há tão pouco tempo o “último filho de Krypton” soava como uma piada boba em
meio a crescente e vigente ascensão dos anti-heróis, um certo toque no fim do
filme providencia uma polêmica discussão dando força a nova visão do poderoso
ser que já soa mais humano do que nunca. Como dito antes, o voo do Super-Homem
soa mais alegórico e bem menos altruísta do que se podia esperar, mas nunca é
tarde para sonhar com o fato de que o verdadeiro coração de aço do jovem órfão que
cresceu no Kansas, escreva a mais heroica das epopeias junto de uma equipe tão
fantástica quanto ele, e a realidade dessa expectativa a partir de agora, nunca
esteve mais próxima.
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