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[Crítica] Terapia de Risco


Steven Soderbergh é um cineasta, no mínimo, interessante. Posso me considerar um fã de seu trabalho, e mais ainda, admiro sua versatilidade e as variantes de sua carreira, incluindo suas irregularidades. Dentro da filmografia de Soderbergh, presenciamos sua originalidade e ousadia de estreia com um drama psicológico como Sexo, Mentiras e Videotape. Outro mais redondinho, mas mesmo assim excelente, como Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento e ainda uma divertida trilogia com um brinde à Hollywood como a de Onze Homens e Um Segredo. Podemos conferir um longa interessante e também ousado como O Segredo de Berlim e um subestimado, sínico, inteligente e divertido longa como O Desinformante! Após isto, uma fraca sequência composta por Contágio e À Toda Prova, e todos estes títulos citados foram apenas os que já assisti, sabendo que me faltam alguns essenciais na carreira do diretor.

E esta citada recente sequência de projetos mais fracos pode representar o início do cansaço que leva ao momento de lançamento deste Terapia de Risco, que Soderbergh declarou como seu último filme nos cinemas (o diretor ainda está ligado a um telefilme na HBO). As circunstâncias da precoce aposentadoria de Soberbergh foram apontadas com uma pertinente crítica à comercialização do Cinema em que trabalha, que cobra muito em relação à arrecadação comercial dos filmes. O diretor declarou estar se cansando de fazer filmes buscando a importância dentro deste mercado, e embora esta crítica do cineasta seja pertinente, não consigo concordar completamente com o fato de esta decisão - se realmente ocorrer - ser a melhor possível. O Cinema independente está aí, e outros diretores de grande importância também já decidiram parar por um certo tempo, entrar na "garagem" e fazer um filme por puro gosto pela Arte, Soderbergh poderia encontrar um caminho interessante por este lado, pois Terapia de Risco foi uma prova final de como ele fará falta no Cinema.

Se outro ponto de destaque na carreira de Steven Soderbergh são suas grandes parcerias com importantes atores, a opção de apostar em Rooney Mara como protagonista de seu provável último longa, visto que a atriz ainda não havia trabalhado nenhuma vez com o diretor. Jude Law só trabalhou com ele uma vez, e foi em Contágio, Catherine Zeta-Jones somente em Traffic e Doze Homens e Outro Segredo. Channing Tatum se tornou uma parceria recente, trabalhando com o diretor em À Toda Prova e Magic Mike. Logo conclui-se que as escolhas não foram por grandes medalhões de parcerias com Soderbergh, mas o diretor repete sua recente parceria com o roteirista Scott Z.Burns, com quem trabalhou também em O Desinformante! e Contágio, enquanto se reúne com o ótimo Thomas Newman comandando a trilha sonora, repetindo sua parceria de O Segredo de Berlim. Mas talvez a principal parceria do cineasta, que se repete também neste longa, é com ele mesmo, que assume pseudônimos diferentes para comandar a montagem e fotografia do longa, e novamente se mostra muito competente também nestas funções. Mas tudo isto foi apenas uma introdução para iniciar a abordagem de Terapia de Risco.

Emily Taylor (Rooney Mara) está em um estado depressivo, parece hipnotizada por certos momentos por conta de seus problemas psicológicos. Seu marido, Martin Taylor (Channing Tatum), acaba de sair da cadeia e o casal sonha em finalmente estabilizar sua vida, com a aparente recuperação de Emily e a busca de Martin por bons negócios. Embora aparentemente em crise, não há um aprofundamento dos problemas que rondam a vida do casal, algo que demonstra de certa forma a frieza que paira na atmosfera de sua rotina, optando por focar mais nas crises da personagem que realmente conduzirá o longa: Emily. Sim, pois Terapia de Risco basicamente se situa a partir do momento em que a instável moça decide jogar seu carro contra a parede, numa tentativa de suicídio.

Emily então surge no hospital, onde somos apresentados ao Dr. Jonathan Banks (Jude Law), numa cena de apresentação que já demonstra um pouco de suas características. Banks tratará de Emily, que quando deixa o hospital passa a se consultar com ele regularmente. O médico tem acordos com produtoras farmacêuticas para tratar seus pacientes de forma experimental, em troca de apoio financeiro. Daí, ele passa a tratar de Emily com um destes medicamentos, assumindo as consequências que daí poderão surgir, e, acredite, elas virão. Prefiro não contar mais da história do longa em si a partir daí, já que Terapia de Risco é um daqueles projetos que te surpreendem a cada nova reviravolta apresentada por seu roteiro, tanto que seu próprio desenvolvimento inicial, já descrito, leva o espectador a um rumo e logo toma outro completamente diferente, um risco que é tomado e poderia não funcionar, mas aqui temos a sorte de conferir um projeto em que isto funciona muito bem, talvez até pela competência de um inspirado Steven Soderbergh.

O primeiro ato se constrói de forma dramaticamente psicológica, onde as principais crises de Emily logo retratam toda a complexidade da personagem e denotam o clima que o projeto segue de forma competente.  O foco se dá nas frias interações entre ela e seu marido, mas com capacidade ainda maior de se tornar um estudo psicológico nas cenas silenciosas, apenas com a presença da personagem de Mara, que é capaz de desestabilizar sua estrutura e se tornar até assustadora por certos momentos. E o lançamento desta trama conspiratória relacionando-se com a indústria farmacêutica dos anti-depressivos - algo do qual podemos inclusive retirar semelhanças com a conspiração inserida no já citado Contágio, especialmente pelo personagem que em ambos é interpretado por Jude Law, mesmo que com diferenças predominantes - conforme se desenvolve já pelo segundo ato, mostram o modo direto como Terapia de Risco trata suas sub-tramas, pois aqui está sim presente um drama frio e direto, mas o destaque logo vai ficando por conta da constante atmosfera de tensão que passa a estar presente no longa, visto que as atitudes tomadas por suas personagens são instáveis e, até, autodestrutivas.

E este suspense que vai se construindo se torna o ponto alto da direção de Soderbergh dentro do filme, que se despe dos excessos do "comércio" cinematográfico que critica para uma narrativa crua e competentíssima na condução de sua tensão, algo que se torna ainda mais notável pelo fato de o diretor também ser o responsável por comandar a montagem e a fotografia do filme, áreas essenciais para esta construção e desenvolvimento. E alguns de seus planos aqui remetem a outros trabalhos do diretor igualmente competentes, e nestes destaco mais a atmosfera psicologicamente dramática, e havia ocasião melhor para a condução deste clima?

O roteiro de Scott Z.Burns, além de apresentar reviravoltas surpreendentes e eficientíssimas, apresenta personagens interessantíssimos, e acredito que esta decisão de focar-se basicamente apenas em Emily e no Dr. Banks foi fundamental neste projeto, já que ambos são personagens sínicos e complexos, como o psiquiatra em suas ambições e ganância, embora algo o torne mais fascinante e atraía a simpatia do público, e isto é justamente uma das características fundamentais para que o mesmo possa inclusive ser caracterizado, de certa forma, como um anti-herói, e o sempre ótimo Jude Law surge em uma grande atuação. Emily, por sua vez, mostra características autodestrutivas e depressivas, mas ao mesmo tempo parece agir com extrema confiança em algumas de suas ações, algo que aos poucos vai se revelando, e Rooney Mara é fundamental para atribuir um charmoso cinismo para a personagem, e embora surgindo mais natural, a atriz mais uma vez assume uma personagem complexa para se interpretar, excelente em sua função.

Embora não estejam muito presentes durante o longa, as personagens de Catherine Zeta-Jones e Channing Tatum exercem influência sobre os ocorridos durante o desenvolvimento, e ainda assim são personagens melhores do que a maioria dos recentes que a dupla vem interpretando, mesmo quando ganham mais tempo de projeção. As apostas erradas do roteiro surgem apenas na previsibilidade da - desnecessária - crise entre Dr. Banks e sua esposa, que desde o momento em que ele aparenta estar muito ligado ao trabalho com esta sua paciente, já se transparece que uma crise ali surgirá, e esta não influi na trama abordada. Além desta, houveram também certas inserções no terceiro ato que parecem insistir em arredondar o roteiro para finalizar esta história, algo que destoa um pouco do clima até então tomado.

Em toda a sua carreira, Steven Soderbergh tomou grandes riscos, acertados ou não tanto, que tornaram ainda mais interessante sua versatilidade, e Terapia de Risco é um de seus projetos que mais teve acertos - e menos efeitos colaterais. 

Se for mesmo uma despedida, que seja como esta, Soderbergh.

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