loggado
Carregando...

[Crítica] A Viagem (Cloud Atlas)

“Nossas vidas não são nossas. Estamos ligados a outras, no passado e no presente. E de cada crime e cada gentileza, nasce nosso futuro....


“Nossas vidas não são nossas. Estamos ligados a outras, no passado e no presente. E de cada crime e cada gentileza, nasce nosso futuro.”

“No século XIX, Adam Ewing é um advogado enviado pela família para negociar a comprar de novos escravos. Em 1930, o jovem e talentoso compositor bissexual Robert Frobisher ajuda o também compositor, já idoso e doente, Vyvyan Ars, na esperança de compor sua própria obra. Em 1970, a jornalista Luisa Rey conhece Rufus Sixmith quando o elevador em que ambos estão quebra, e ele revela que estão encobrindo uma série de falhas no projeto de construção de um reator nuclear. Em 2012, Timothy Cavendish é dono de uma pequena editora, que lançou um livro que dificilmente dará retorno financeiro. Entretanto, a situação muda quando o autor do livro mata um de seus críticos, tornando-se uma celebridade instantânea. Nova Seul, 2144. Sonmi-451 é um clone que trabalha em um restaurante fast food, programada para realizar todo dia as mesmas tarefas, sem manifestar qualquer reclamação, mas a situação muda quando outro clone acaba, sem querer, despertando-a sobre sua existência. Num futuro pós-apocalíptico, vive Zachry, o líder de uma tribo que venera Sonmi como se fosse uma deusa. Sua vida muda quando Meronym, que integra um grupo evoluído chamado Prescientes, lhe pede para viver com sua tribo. Seis histórias que, apesar de ocorrerem em épocas e países distintos, possuem uma interligação. Passado, presente, futuro: tudo está conectado.” (adaptado do site Adoro Cinema)

A premissa de Cloud Atlas (cujo título foi assassinado e traduzido como A Viagem) todos já sabemos. O filme, muito divulgado pelas redes sociais e tópico de grandes debates no exterior, recentemente chamou atenção a nível internacional desde sua estreia. Dividindo críticos e público, você pode pensar que este é somente mais um filme de múltiplas histórias - mas é aí que você se engana. Cloud Atlas é único em toda a história centenária do cinema.

Eu, que repudio exageros, hipérboles e afins, posso dizer do fundo do meu coração: Cloud Atlas é o melhor filme que já vi em toda minha vida. Melhor do que Requiem for a Dream, Persona, Repulsion, enfim, todos meus favoritos. E não é para menos. Eu descobri o filme há alguns meses, pouco após sua estreia na terra do Tio Sam. Profundamente interessado por seu trailer, sua sinopse, sua promoção, enfim, seu tudo, fui descobrir que o filme é baseado num livro de David Mitchell, que, que crime!, jamais foi lançado no Brasil. Lá fui eu, recém-formado no curso de inglês, importar um livro de 500 páginas que eu não tinha a mínima ideia se ia conseguir ler ou não. Resultado: devorei em quatro dias todas as suas histórias, e, assim que terminei de ler, na sexta (11 de Janeiro), dia da estreia, convoquei uns amigos e segui para um pequeno cinema em minha cidade, para enfrentar três horas de filme. E não me arrependi: até agora, o momento em que estou digitando este texto, estou maravilhado tanto com o livro quanto com o filme, ambos magistrais. Ainda agora, tenho a sensação de que acabei de testemunhar uma verdadeira revolução no cinema moderno.

A narrativa adotada pelo filme difere bastante da do livro. O romance é, nas palavras do próprio autor, como uma boneca russa: existe uma história dentro da outra, esperando para ser contada. Assim, cada história é contada até a metade, sendo pausada num momento crucial (popularmente conhecido como gancho), e iniciando a próxima em ordem cronológica (isto é, indo desde o século XIX até o futuro pós-apocalíptico em ordem temporal); quando a última história é contada, então, as outras histórias vão sendo relembradas e ganham cada uma um final, só que na ordem inversa. Seria mais ou menos assim: 1-2-3-4-5-6-6-5-4-3-2-1. Os produtores do filme, porém, espertamente perceberam que esta fórmula não daria certo no cinema, então, decidiram adaptar o chamado “livro infilmável” e, em vez da boneca russa, decidiram construir um mosaico, onde as seis histórias são contadas simultaneamente. Uma cena pula pra outra, mostrando uma história diferente, porém de alguma forma interligada. E, mesmo este fato transformando Cloud Atlas num filme complexo e cabeça, a história jamais se perde, criando uma coesão magnífica entre as seis narrações. Mundo afora, o filme sofreu duras críticas, sendo chamado de uma bagunça; essas críticas, claro, não levam em consideração que a assim chamada “bagunça” seria se, de fato, nada fizesse sentido. Muito pelo contrário: a montagem de Cloud Atlas leva em consideração a harmonia entre cenas. No momento em que há uma cena de ação na história de Adam Ewing (1849), existe simultaneamente uma cena de ação na história de Somni-451 (2144). Isso, associado aos belíssimos visuais e a digníssima direção, cria não somente um clímax incrível, mas dois, três, quatro ao mesmo tempo! É como se toda emoção em cena fosse multiplicada, várias vezes, até tocar o mais duro dos corações.

É extremamente difícil falar de Cloud Atlas sem soltar nenhum spoiler. Cada coisa, cada detalhezinho que acontece em suas histórias é de extrema importância, tanto para a própria história quanto para as outras cinco. Cada acontecimento monta uma mensagem imensa, que nos desafia a bater de frente com nossa própria humanidade. Afinal, A Viagem, mesmo sendo um título deturpado, encaixa-se bem no teor do filme: Cloud Atlas é uma viagem pela humanidade. Uma viagem pelos crimes, e pelas gentilezas humanas; pela fé, pelos desejos e ambições, pela natureza de nossa espécie, que destrói a tudo e a todos, mas que também é capaz de amar; pela luta por liberdade, pelas diversas vidas que vivemos nesse mundo, sempre nos reencontrando, sempre enfrentando o mesmo mal em defesa do mesmo bem... sempre amando da mesma maneira.

Este é um pequeno resumo de tudo que estava sentindo quando saí do cinema, e também de quando terminei de ler o livro. Nunca, em toda minha vida, vi um filme igual, tão ridiculamente perfeito quanto assombroso. Sabe quando você se sente triste, quase atormentado, quando diz “adeus” pra sua namorada ou esposa ou qualquer pessoa que você ama, para ir trabalhar, estudar, ou qualquer motivo que te separe desta pessoa, e fica o resto do tempo em que vocês estão separados meio melancólico, tristonho? É assim que me sinto ainda agora, horas depois de ver o filme, horas depois de finalizar o livro. Por que parece que conhecemos estes magníficos personagens e suas magníficas história há tanto tempo... para que estamos acompanhando a história deles por anos, e não só por 500 páginas ou três horas. Eu sei que logo vou ter que ver esse filme de novo, e depois mais uma vez. Cloud Atlas é uma verdadeira obra-prima, mesmo dividindo opiniões mundo afora. Daqui a dez ou vinte anos, todos olharão para trás e verão o filme revolucionário, emocionante, intenso, genial e apaixonante que Cloud Atlas é.

Hoje e por muitas noites mais não vou conseguir parar de pensar neste filme quando for dormir – na direção e no roteiro fantásticos, nas grandes atuações, em suas mensagens e histórias... Inúmeras vezes, tive que me segurar para não cair no choro no meio do cinema. Cloud Atlas é o maior marco na história do cinema desde a invenção do Technicolor. Pode ser um tanto de arrogância dizer isso, mas este está destinado a ser um filme gigante e histórico... um filme que, daqui a muitos anos e muitas gerações, as pessoas ainda verão e se encontrarão; ali, no atlas das nuvens.

Observações:
  • E o Oscar para Filme Mais Injustiçado do Ano vai para... Cloud Atlas! É inacreditável como o filme não ganhou nem mesmo uma indicação, nem mesmo nas categorias relativas à trilha sonora, aos visuais (especialmente ao de 2144) ou à montagem. Mesmo dividindo opiniões, o aclamo universal a esses quesitos do filme é praticamente unânime.
  • Há algumas semanas, encontrei um vídeo com a compilação das 50 cenas mais tristes da história do cinema. Se algum dia houver alguma 2ª edição dessa compilação, existem cenas neste filme (infelizmente, spoilers) que merece entrar na lista. Se alguém quiser saber quais cenas são essas, digo apenas que tratam-se do final de Frobisher e de Somni-451.
  • Àqueles que não estão familiarizados com o livro, prestem MUITA atenção no filme, por que, com seis histórias sendo contadas ao mesmo tempo, é muito fácil se perder. E, se você se perder, não vai conseguir apreciar esta obra-prima completamente. Vejam o filme duas, três vezes se precisarem, mas entendam o filme.

Veja abaixo o trailer de Cloud Atlas:



Crítica 4925208144034924746

Postar um comentário Comentários Disqus

Página inicial item