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[Resenha] Por Favor, Cuide da Mamãe


Se, dentre os livros que li este ano, eu tivesse que eleger o mais triste, certamente escolheria Por Favor, Cuide da Mamãe. É raro encontrar um livro que se distancie de absolutamente qualquer elemento melodramático e consiga ser completamente honesto; é raro encontrar uma obra que, de tamanho coração, consiga acertar em todas suas viradas emocionais. Por Favor, Cuide da Mamãe é um exemplar estranho e único – um perturbador e reflexivo soco no estômago sobre amor, sacrifício e família.

Park So-nyo, 69 anos, mãe de cinco filhos, desapareceu. Ao chegar a Seul para visitá-los, saindo de sua aldeia com o marido, com quem é casada há mais de 50 anos, ela é deixada para trás em meio à multidão em uma plataforma da estação de metrô. Como fez a vida toda, ele simplesmente supôs que a esposa o seguia. Essa é a última vez em que Park é vista. Começa então a procura, liderada pelos filhos e o marido, que se transforma em uma exploração emocional repleta de remorso e marcada pela triste descoberta de uma mulher que ninguém nunca conheceu.

Incomum desde sua primeira página, Por Favor, Cuide da Mamãe é quase completamente narrado em segunda pessoa. É como se Kyung-sook Shin almejasse a maior proximidade possível entre o leitor e suas palavras, ferindo-nos profundamente no processo. Se o estilo pode parecer um tanto pretensioso em teoria, na prática, Por Favor, Cuide da Mamãe é um dos maiores exercícios de melancolia que qualquer um de nós lerá ou verá em um bom tempo. Há algo de exótico no texto de Shin, como numa canção de Björk ou Sigur Rós, uma honestidade emocional que é tanto rara quanto lânguida; Shin nos mergulha em seus personagens, em suas memórias mais profundas. A cada salto temporal entre infância e vida adulta, um novo tapa. A cada “você” desferido na narrativa indireta em referência a um dos protagonistas narradores, um dedo acusatório – não da autora, nem do leitor, mas do próprio personagem, se autoflagelando pela negligência quanto à mãe.

As comparações com o Era Uma Vez Em Tóquio de Yasujiro Ozu são inevitáveis – tanto por se tratar do choque da cultura oriental tradicional com o mundo moderno quanto pela sua temática e intensidade emocional. Ao traçar as personalidades de seus protagonistas, Por Favor, Cuide da Mamãe faz uma reflexão não só sobre a Coréia, mas sobre o mundo contemporâneo. Sua trama é universal tanto em ambientação quanto em questionamento; mesmo que se passe do outro lado do mundo, podemos visualizá-la aqui, com nossas mães no lugar de Park, nós mesmos no lugar de filhos, filhas e marido. Sentimos cada pontada de dor, cada grito e cada sussurro subcutâneo, ao indagar abertamente sobre coisas que jamais passaram por nossa cabeça – ou sequer passariam, não fosse a tragédia a extinguir todas as possibilidades futuras.

Uma reflexão transformadora, no auge do poder da literatura, sobre a natureza materna, Por Favor, Cuide da Mamãe é um daqueles livros que chega intensamente perto de libertar-se de sua forma física de papel e tinta para tornar-se puro sentimento. A multidimensionalidade de Park é uma realização corajosa de sua autora; uma personagem doce, dura e realista, é quase possível senti-la pulsar e esvair-se sob nós, da mesma forma que pulsa e se esvai sob sua família. Um retrato de dor, remorso, nostalgia e saudade, Por Favor, Cuide da Mamãe é um livro absolutamente desconcertante – uma ferida ardida que não se cura facilmente.

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